sexta-feira, 21 de maio de 2010

Apenas um dia...


Era só mais um dia de luz insistente que entrava pela janela a acordá-la. O sonho já não se lembrava, era só aquela sensação amarga na boca e os olhos inchados, incômodos. Nada é tão desagradável como o sol de uma belíssima manhã quando na sua cabeça repousa uma nuvem escura e úmida.
Levantou-se com a coragem dos insistentes. No banheiro, banho quente. Olhar no espelho, nem pensar. Já decorou todas as suas marcas, todos os seus anos.
Café sem gosto, jornal de ontem. Pergunta-se que diferença faz, as noticias se repentem desde que o mundo é mundo. Enchentes, terremotos, assassinatos, roubos...
O bom dia do vizinho barbeado cheirando a manteiga e cigarro irrita mais que urtiga. A cordialidade ensaiada causa-lhe ânsia de vômito. Todos parecem encenando uma peça de quinta escrita por um autor medíocre, que justifica a insignificância da própria vida inventando personagens coxos emocionalmente.
O trabalho maçante oprime muito mais que todo resto. Pela janela observa as pessoas na rua, andando umas pelas outras com se estivessem sozinhas na calçada, vez por outra umas se esbarram, nessa fração de segundos, os olhares se cruzam e o que se vê no fundo deles é um pedido desesperado de socorro. Mas passa.
O dia passa, as pessoas passam. E o que ela quer é voltar para casa, ou para qualquer lugar, por que a essa altura não sabe de mais nada, nem do que quer.
No caminho de volta, para numa loja. Compra tudo que não precisa, usa as sacolas para esconder-se até em casa. Chegando lá, joga tudo no armário e nunca mais abre.
Mais um dia! Pensa como se tivesse cumprido um dever. Viver passou a ser uma obrigação. Fica olhando a TV até os olhos fecharem, tudo que ela quer é sonhar de novo.

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